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Encalhe do Ever Given: o mais complexo caso de Avaria Grossa dos tempos modernos

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Por Larry Carvalho
Atualização:
Larry Carvalho. FOTO: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

O Navio Ever Given foi desencalhado, o canal de Suez retornou às atividades, e muitos achavam que seria a última vez que ouviríamos falar sobre o assunto. Mas na última semana mais de vinte mil empresas com carga a bordo do navio Ever Given dormiram e acordaram com a surpresa que Avaria Grossa havia sido declarada pelo proprietário da embarcação. Surgindo uma dúvida para muitos: afinal de contas, o que é Avaria Grossa?

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Trata-se de um antigo instituto do Direito Marítimo que prevê que todos os sacrifícios e despesas intencionais, extraordinárias e razoavelmente feitas e incorridas para salvar o navio, carga e outras propriedades a bordo, e qualquer frete que esteja em risco de um perigo comum, devem ser compartilhados por esses interesses na proporção de seus respectivos valores no final da viagem.

O Instituto foi criado para mitigar os riscos envolvidos em uma aventura marítima, diante de todas as intempéries da natureza. Servindo como incentivo a exploração do transporte marítimo, ora, estamos falando de uma atividade de alto risco em que navios muitas vezes transportam carga mais valiosa que a própria embarcação, sendo necessário instrumentos que permitam o compartilhamento de riscos.

No que tange não haver possíveis danos à carga e que os danos ao navio parecem ser mínimos, ainda resta o custo da operação de salvamento que demandou a utilização de 13 rebocadores e duas dragas, bem como possíveis pedidos de indenização de uma variedade de interesses.

Na realidade o encalhe do Ever Given está se desenhando para tornar uma dos mais complexos casos de Avaria Grossa dos tempos modernos. A LLodys List já divulgou que o caso possui um potencial de litígio envolvendo mais de 20.000 containers, com alguns possuindo até 20 consignatários distintos.

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Do outro lado temos a própria Autoridade do Canal de Suez que pleiteia 1B de dólares de indenização, outros armadores que tiveram suas embarcações retidas durante diversos dias em virtude do encalhamento no canal. Além de possível dano a cargas perecíveis nos navios que aguardavam passagem.

O que fez o proprietário da embarcação Ever Given ingressar com ação judicial em Londres para visando assegurar limitação de responsabilidade contra todos possíveis partes que restaram prejudicadas com a paralisação do Canal de Suez. Sem dúvidas alguma o mercado securitário deverá sofrer enorme pressão com as primeiras demandas surgindo, além da busca de segurados por uma mitigação de prejuízos.

Diante da declaração da Avaria Grossa, será designado o Regulador da Avaria que avaliará o valor da cada carga a bordo e aplicarão uma fórmula que determina a contribuição financeira de cada proprietário da carga.

A contribuição é considerada como Cargo Lien por boa parte da legislação estrangeira, bem como pela legislação brasileira. Assim, consignatários precisarão apresentar uma garantia de sua contribuição a Avaria Grossa para poderem receber a mercadoria.

O custo total do sinistro para seus proprietários provavelmente levará algum tempo para determinar, principalmente se envolver reivindicações de outros terceiros, o que significa que os reguladores poderão permanecer incapazes de fixar o índice de contribuição. O que poderá acarretar em maior lentidão para liberação das cargas.

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Aqui entram as seguradoras, pois consignatários que tiverem contratado apólice de seguro, poderão solicitar que seja apresentado Carta de Garantia do pagamento de eventual contribuição que venha a ser regulada em sede de Avaria Grossa, e assim, acelerar a liberação de carga.

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Enquanto que consignatários sem seguro ficarão em situação extremamente delicada, pois terão que aguardar a regulamentação ser finalizada para poder vir a apresentar garantia em dinheiro, o que poderá demorar diversos meses. Enquanto isso, a carga provavelmente permanecerá retida em virtude do lien existente.

O último grande caso de Avaria Grossa declarada foi o do navio Maersk Honam, em que o regulador de avarias avaliou a garantia de salvamento fixa em 42,5% do valor da carga e 11,5% como um depósito de Avaria Grossa.

Portanto, para cargas avaliadas em $ 100.000 o depósito para obter a liberação da carga foi de US $ 54.000. Permitindo, justamente, que o armador exerça seu direito ao cargo lien, inclusive, podendo vir a vender a carga quando o depósito, caução ou garantia não seja apresentada pelo proprietário da carga.

O caso do navio Ever Given deverá repercutir por diversos anos, ainda não é possível sequer prever o prejuízo sofrido por todas as partes, muito menos a quantidade de claims que serão apresentados em diversas jurisdições e tribunais. Estamos somente diante da ponta do Iceberg que em um futuro próximo deverá se revelar em sua totalidade. Os próximos anos deverão ser de enorme dor de cabeça e uma longa batalha jurídica por todos aqueles envolvidos na aventura marítima da embarcação, além de todas as outras partes que possam ter vindo a sofrer danos em virtude do encalhamento.

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Quem viver, viverá! Como diria o grande filósofo: navegar é preciso! E, sem dúvidas alguma, continuaremos a navegar!

*Larry Carvalho é advogado e árbitro com experiência em litígios e ênfase em transporte marítimo

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