Congelamento de Informação

Preservação de dado pessoal sem ordem judicial gera nulidade de provas, decide STF

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6 de fevereiro de 2024, 18h54

O mero congelamento de informações pessoais, sem autorização judicial, afronta o direito à intimidade porque tira do cidadão o controle sobre seus próprios dados, de acordo com entendimento firmado pela 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal.

Segundo a corrente vencedora, o congelamento de dados sem autorização judicial gera nulidade

O colegiado analisou nesta terça-feira (6/2) se é lícito o congelamento de dados pessoais, sem o acesso dos órgãos de investigação ao material, nos casos em que não há ordem judicial autorizando a diligência. Os ministros entenderam que provas obtidas dessa forma são nulas.

O caso concreto é o de uma mulher investigada por supostas irregularidades no credenciamento de empresas para prestação de serviços ao Departamento de Trânsito (Detran) do Paraná.

O Ministério Público paranaense conseguiu a preservação de dados pessoais dos investigados com base em previsão do Marco Civil da Internet que permite que autoridades policiais e administrativas e o MP solicitem aos provedores o congelamento de informações sem prévia autorização judicial.

Voto do relator
O relator da matéria, ministro Ricardo Lewandowski, hoje aposentado, entendeu que o congelamento prévio previsto no Marco Civil da Internet se restringe aos chamados “registros de conexão”, que consistem em informações sobre data e hora em que a conexão à internet foi feita por um usuário, além do endereço de IP utilizado para o envio e o recebimento de pacote de dados.

Já no caso analisado, disse o ministro, o congelamento envolveu o conteúdo de e-mails, fotos, contatos e histórico de localização, o que exigiria prévia autorização judicial, ainda que o acesso às informações tenha ocorrido só depois de ordem do Judiciário. O voto do relator foi apresentado em abril de 2023, quando o pedido de Habeas Corpus começou a ser analisado em julgamento virtual.

“O direito de qualquer cidadão de administrar e dispor do conteúdo pessoal de e-mails, mensagens, contatos e históricos de localização é uma garantia individual enrijecida pelo direito à preservação da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem”, afirmou Lewandowski em seu voto. Ele foi acompanhado pelos ministros Gilmar Mendes e Nunes Marques.

Ao votar nesta terça-feira, Gilmar também afirmou que o congelamento de dados pessoais e de comunicações privadas sem prévia autorização judicial fere direitos garantidos pela Constituição.

“O mero congelamento de dados sem autorização judicial e fora das hipóteses legais afronta a tutela da privacidade. É inconstitucional, portanto, a subtração do controle do cidadão sobre suas informações (congelamento) sem observância das regras de organização e procedimento, ainda que a quebra do sigilo em si tenha ocorrido, posteriormente, mediante ordem judicial”, afirmou o decano do STF.

Em seu voto, o magistrado também destacou que o Marco Civil da Internet apresenta como exceção a requisição dos dados cadastrais e de registro de conexão e acesso à internet feita pelos órgãos de investigação.

“O quadro delineado no Marco Civil da Internet é claro: a disponibilização de dados pessoais, comunicações privadas ou informações relativas a registros de conexão/acesso está condicionada à determinação do juiz. A exceção fica por conta dos dados cadastrais, que podem ser alcançados por autoridades administrativas devidamente autorizadas por lei”, disse Gilmar.

Divergência
O ministro André Mendonça abriu divergência quando o caso ainda era analisado virtualmente pela 2ª Turma. Ele também entendeu que o congelamento de dados pessoais sem autorização judicial gera vícios de nulidade. No entanto, ponderou que parte dos dados congelados só foi preservada por requerimento do MP depois que houve decisão judicial autorizando a quebra de sigilo telemático.

“Conclui-se que a produção de prova somente ocorre após o afastamento do sigilo judicial por ordem judicial, não existindo nexo de causalidade entre a atividade persecutória apontada como ilegítima e a introdução do material probatório nos autos”, afirmou o ministro.

Ainda segundo Mendonça, a investigada não demonstrou “que o pedido de preservação de seus dados telemáticos interferiu ou modificou a fonte de prova, cujo acesso foi posteriormente autorizado judicialmente”.

“Não vislumbrar nexo de causalidade para a nulidade apontada, uma vez não demonstrado que o pedido de preservação de dados telemáticos, por não constituir meio de obtenção ou de produção de prova, interferiu no conteúdo do material disponibilizado (…), em atendimento à decisão judicial”, afirmou Mendonça.

“Foi uma vitória da cidadania, pois a partir de agora resta decidido que o MP e autoridades investigativas não podem congelar dados de qualquer cidadão sem, primeiro, requererem e obterem ordem judicial para tanto”, comentou o advogado Daniel Gerber, sócio do escritório Daniel Gerber Advogados Associados, responsável pelo pedido de Habeas Corpus.

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HC 222.141

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