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CAPA
Hip hop é arte, é protesto, é ação
Niels Andreas/Folha Imagem
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A banda Z´Áfrika Brasil, da posse Conceitos de Rua, do Capão Redondo e de Heliópolis, bairros da zona sul de SP |
LAVÍNIA FÁVERO
free-lance para a Folha
Uma das características do rap
brasileiro é o protesto contra as
condições de vida na periferia.
Mas grande parte das bandas sabe
que só protestar não adianta e arregaça as mangas para melhorar a
vida em suas comunidades.
O rap é a trilha sonora do movimento hip hop, formado por quatro elementos: o DJ, que dá a base
sonora, o MC (mestre-de-cerimônias), voz do movimento, o break
dancing, expressão corporal, e o
graffiti, que pinta a mensagem
dos manos nos muros da cidade.
Antes de mais nada, um esclarecimento: a galera do hip hop se
trata por "mano" porque, para
eles, cada amigo é um irmão. A gíria é tradução do tratamento no
movimento negro americano.
Outro esclarecimento: nem todo grupo de rap é do movimento
hip hop. A inclusão depende justamente do viés social do grupo.
"Há muitos tipos de rap, mas o
rap de verdade tem um lado mais
político. O rap ligado ao hip hop
fala de auto-estima, do valor das
pessoas de um modo positivo",
explica Thaíde, companheiro de
DJ Hum e um dos primeiros a
cantar rap em português.
Existe até um conceito para essa
participação na sociedade: posse,
que designa a associação de bandas de rap e outras pessoas ligadas
ao movimento. "As posses foram
criadas nos Estados Unidos para
que os rappers, breakers e grafiteiros trocassem informações",
explica Marcelo Igor de Souza, 25,
da banda Resumo do Jazz. O Resumo faz parte da posse Clube da
Rima, que também reúne as bandas Camorra e Escolhidos da Tribo, todas de SP.
O Clube da Rima é uma posse
de intercâmbio de informações,
mas a característica das posses
brasileiras é a ação social.
A posse Conceitos de Rua, por
exemplo, da zona sul de São Paulo, reúne as bandas Z'Áfrika Brasil, Conclusão Final e Face Original e, entre outras ações, promove
oficinas gratuitas (leia roteiro
abaixo). Também da zona sul, a
União Quebrada Forte reúne os
grupos Breakers in War, Altamente Explosivo, Posse Original
Sul, Realidade Encoberta, Poetas
da Periferia e Evolução Ideal.
Eles dão palestras sobre a cultura hip hop em escolas da região
com o apoio dos Jabaquara Breakers, grupo de dançarinos que se
apresenta com Thaíde e DJ Hum.
Os integrantes do movimento
também fazem sua parte fora das
posses. Marcelo, do Resumo do
Jazz, é voluntário no Geledés Instituto da Mulher Negra. A entidade foi formada há 11 anos pela
rapper Christina Batista, 27, da
banda Lady Rap. "Usamos a cultura hip hop para nos aproximar
dos jovens." O Geledés também
tem um serviço de assistência jurídica para quem sofre preconceito, entre outros programas.
O movimento Brasil afora
Fora de São Paulo, o movimento caminha com a mesma característica de participação social. Na
Bahia, posses como a Ori e a Zumbi fazem música e trabalham na
periferia. A Ori (do iorubá "cabeça") existe há três anos e reúne as
bandas Quilombo Vivo, Elemento X, Black Power, Ideologia Alicerce e Cidade Rap.
Todos os domingos, eles promovem tardes de informação sobre diversos assuntos no Passeio
Público de Salvador. Uma tarde
de domingo por mês é dedicada à
divulgação da cultura hip hop.
A posse é ligada à União de Negros pela Igualdade e organizou,
em abril, uma marcha pela paz e
contra o desemprego e a violência. Durante 24 horas, os grupos
da posse percorreram os subúrbios de Salvador. "Oferecemos
cortes de cabelo e fotografias 3x4
para quem não podia pagar", explica Juno Lima Barbosa, 24, MC
do Quilombo Vivo.
Além de participar da Ori, Juno
fundou a Zumbi, que reúne as
bandas Realidade Falada, Quilombo e Palmares e desenvolve
um trabalho nos mesmos moldes
da Ori na região de Amaralina.
Em Recife, as posses ainda estão
se organizando, mas os grupos
também desenvolvem trabalhos
sociais em conjunto. Integrantes
das bandas Faces do Subúrbio e
Matala na Mão têm um projeto, o
Hip Hop nas Alturas, que percorre escolas da zona norte da cidade
para conscientizar a molecada.
"A gente passa o certo da vida,
explicando como eles podem fazer para não cair na marginalidade", diz Marcelo Massacre, 27,
baixista do Faces. Outro projeto, o
Alto Falante, vai ensinar música
para crianças de periferia que forem bem na escola. A iniciativa é
de Canibal, do Devotos do Ódio,
com participação de Massacre.
"O movimento aqui ainda não é
como em São Paulo, mas as pessoas estão procurando o hip hop.
O Thaíde, por exemplo, saiu daqui e agora está fazendo sucesso
no Brasil inteiro", diz Massacre.
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