São Paulo, Segunda-feira, 09 de Agosto de 1999
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CAPA
Hip hop é arte, é protesto, é ação
Niels Andreas/Folha Imagem
A banda Z´Áfrika Brasil, da posse Conceitos de Rua, do Capão Redondo e de Heliópolis, bairros da zona sul de SP


LAVÍNIA FÁVERO
free-lance para a Folha

Uma das características do rap brasileiro é o protesto contra as condições de vida na periferia. Mas grande parte das bandas sabe que só protestar não adianta e arregaça as mangas para melhorar a vida em suas comunidades.
O rap é a trilha sonora do movimento hip hop, formado por quatro elementos: o DJ, que dá a base sonora, o MC (mestre-de-cerimônias), voz do movimento, o break dancing, expressão corporal, e o graffiti, que pinta a mensagem dos manos nos muros da cidade.
Antes de mais nada, um esclarecimento: a galera do hip hop se trata por "mano" porque, para eles, cada amigo é um irmão. A gíria é tradução do tratamento no movimento negro americano.
Outro esclarecimento: nem todo grupo de rap é do movimento hip hop. A inclusão depende justamente do viés social do grupo.
"Há muitos tipos de rap, mas o rap de verdade tem um lado mais político. O rap ligado ao hip hop fala de auto-estima, do valor das pessoas de um modo positivo", explica Thaíde, companheiro de DJ Hum e um dos primeiros a cantar rap em português.
Existe até um conceito para essa participação na sociedade: posse, que designa a associação de bandas de rap e outras pessoas ligadas ao movimento. "As posses foram criadas nos Estados Unidos para que os rappers, breakers e grafiteiros trocassem informações", explica Marcelo Igor de Souza, 25, da banda Resumo do Jazz. O Resumo faz parte da posse Clube da Rima, que também reúne as bandas Camorra e Escolhidos da Tribo, todas de SP.
O Clube da Rima é uma posse de intercâmbio de informações, mas a característica das posses brasileiras é a ação social.
A posse Conceitos de Rua, por exemplo, da zona sul de São Paulo, reúne as bandas Z'Áfrika Brasil, Conclusão Final e Face Original e, entre outras ações, promove oficinas gratuitas (leia roteiro abaixo). Também da zona sul, a União Quebrada Forte reúne os grupos Breakers in War, Altamente Explosivo, Posse Original Sul, Realidade Encoberta, Poetas da Periferia e Evolução Ideal.
Eles dão palestras sobre a cultura hip hop em escolas da região com o apoio dos Jabaquara Breakers, grupo de dançarinos que se apresenta com Thaíde e DJ Hum.
Os integrantes do movimento também fazem sua parte fora das posses. Marcelo, do Resumo do Jazz, é voluntário no Geledés Instituto da Mulher Negra. A entidade foi formada há 11 anos pela rapper Christina Batista, 27, da banda Lady Rap. "Usamos a cultura hip hop para nos aproximar dos jovens." O Geledés também tem um serviço de assistência jurídica para quem sofre preconceito, entre outros programas.

O movimento Brasil afora
Fora de São Paulo, o movimento caminha com a mesma característica de participação social. Na Bahia, posses como a Ori e a Zumbi fazem música e trabalham na periferia. A Ori (do iorubá "cabeça") existe há três anos e reúne as bandas Quilombo Vivo, Elemento X, Black Power, Ideologia Alicerce e Cidade Rap.
Todos os domingos, eles promovem tardes de informação sobre diversos assuntos no Passeio Público de Salvador. Uma tarde de domingo por mês é dedicada à divulgação da cultura hip hop.
A posse é ligada à União de Negros pela Igualdade e organizou, em abril, uma marcha pela paz e contra o desemprego e a violência. Durante 24 horas, os grupos da posse percorreram os subúrbios de Salvador. "Oferecemos cortes de cabelo e fotografias 3x4 para quem não podia pagar", explica Juno Lima Barbosa, 24, MC do Quilombo Vivo.
Além de participar da Ori, Juno fundou a Zumbi, que reúne as bandas Realidade Falada, Quilombo e Palmares e desenvolve um trabalho nos mesmos moldes da Ori na região de Amaralina.
Em Recife, as posses ainda estão se organizando, mas os grupos também desenvolvem trabalhos sociais em conjunto. Integrantes das bandas Faces do Subúrbio e Matala na Mão têm um projeto, o Hip Hop nas Alturas, que percorre escolas da zona norte da cidade para conscientizar a molecada.
"A gente passa o certo da vida, explicando como eles podem fazer para não cair na marginalidade", diz Marcelo Massacre, 27, baixista do Faces. Outro projeto, o Alto Falante, vai ensinar música para crianças de periferia que forem bem na escola. A iniciativa é de Canibal, do Devotos do Ódio, com participação de Massacre.
"O movimento aqui ainda não é como em São Paulo, mas as pessoas estão procurando o hip hop. O Thaíde, por exemplo, saiu daqui e agora está fazendo sucesso no Brasil inteiro", diz Massacre.


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